sexta-feira, 6 de maio de 2011

Prólogo

   As ondas embatiam furiosamente na costa naquele fim de tarde de Verão, enquanto o Sol fazia a sua marcha de redução, dando lugar a uma noite estrelada. Olhando para o céu ardente, que misturava um toque de laranja suave, com um tom violeta magnífico e calmo, aquela tarde pareceria o sonho de qualquer pessoa do planeta. Apenas, sentar e relaxar, observando tudo em volta. Observando as vidas humanas que lá passavam, com feições bonitas e alegres. Observando as ligações humanas e todas as suas emoções e sentimentos. Observando a servente de um bar de praia a olhar para o relógio ínfimas vezes, desejando a hora que acabasse o seu turno. Observando um homem sentando num banco, a ler um livro de Banda Desenhada, como se não tivesse mais preocupações no mundo. Tudo aquilo era o que ele via através dos seus olhos cinzentos como que, a anunciar tempestade, infelicidade e frieza perante tudo o que possa existir no planeta Terra. 
   Tinha ido àquele lugar para ter um pouco de paz e, pensar em tudo o que lhe acontecera no último ano, mas, agora não sabia se queria, realmente relembrar tudo. Fora um ano decisivo para ele e, sofrera perdas, desilusões e desgostos. Era a história da sua vida e, ao contrário das histórias de contos de fadas, a sua não tinha um final feliz. Terminara tragicamente, deixando para toda a sua mórbida vida um buraco no peito, no qual nunca iria conseguir superar. 
    No entanto, ele também aprendera muito sobre o porquê das ligações humanas poderem chegar a ser tão fortes que, ambas as partes não se importam de dar a vida pelo outro. Algo que, até há um ano atrás não compreendia. 
   Todavia, apesar de estar a sofrer profundamente com tudo o que lhe acontecera, ele não se sentia arrependido de ter vivido uma história tão importante para ele. Era verdade que sentia um certo desgosto de muitas das suas atitudes, devido à sua personalidade egocêntrica, mas ele também gostava de relembrar todos os bons momentos que passara e, inevitavelmente os seus lábios abriam-se num sorriso rasgado, ainda que fosse discreto e tímido, quando se lembrava. 
     Mas, uma coisa era relembrar momentos que o faziam sentir-se bem e, ainda que por breves momentos, sentia a felicidade emanar dentro do seu ser, acreditando que os últimos tempos não passaram de um pesadelo e que, ainda podia sentir o seu corpo quente tocar na sua pele, fazendo as suas faces corar. Ainda assim, ele questionava-se se valeria a pena ter esses momentos de felicidade com ele, comparada com a sua dor, que lhe trespassava, todos os dias o coração, partido-o ainda mais em pedaços, tamanha era a saudade que a cada dia que passava era cada vez maior. Se chorasse, esse seria o seu momento, sentindo os olhos inchados a acompanharem as horas do dia que, mais lhe pareciam anos. Cada minuto que passava,  o seu coração ficava mais apertado enquanto o ar lhe faltava. Tentara de tudo para parar isso, mas nada resultara. Primeiro, embarcara no caminho do álcool, passando três semanas seguidas a beber bebidas alcoólicas desde o início do dia, até quando não podia mais por-se a pé, de tão embriagado que se encontrava. Todavia, isso apenas contribuíra para o seu internamento num hospital durante duas semanas, após uma briga típica de bares. Depois, tentara as drogas, permanecendo lá até hoje. A princípio fazia-o sentir-se melhor, fazia-o esquecer-se de tudo. Contudo, ao fim de algum tempo, a dose já não era suficiente, aumentando cada vez mais. Porém, nada resultava. Agora, injectava droga, só pelo simples facto de se ter viciado e não conseguir parar. 
   Aquele fim de tarde era a primeira vez que ele se encontrava sóbrio desde todas as suas tentativas de tentar não lidar com a dor e, naquele momento ela era maior do que nunca. Sentia as lágrimas salgadas deslizarem pelo seu rosto suave e cansado, pela primeira vez. 
   Nunca chorava. No entanto, ele não aguentava mais. Era como se estivesse aprisionado num lugar muito escuro, no qual não conseguia encontrar a saída. Sentia raiva, uma melancolia insuportável, injustiça com o que lhes acontecera. Sentia-se desprezado, perdido, sujo e, com remorsos. Sentia uma dor maior do que nunca. Não sabia como lidar com isso e, a única coisa que tinha vontade de fazer, era desligar-se de todas as emoções. Contudo, aquele dia era especial e único. Não poderia, simplesmente desrespeitá-lo, apesar de sentir como se o torturassem, sem parar todos os membros do corpo. O ar faltava-lhe, enquanto, todos aqueles sentimentos faziam sentir-lhe como se o tivessem  a arrancar coração, por entre o peito e, a parti-lo em pedaços enquanto troçavam de si e de toda a sua agonia. Um dia sóbrio era demais para ele. 
    Poderia olhar em volta e voltar a observar todas as outras coisas que o rodeavam, como já o tivera feito para se tentar distrair, embora, nada o fizesse, realmente sentir-se melhor. Era como se a vida continuasse o seu passo repetitivo de dia e noite, mas ele continuasse parado no tempo. Olhar em volta, fazia-o lembrar que estava sozinho no mundo e, isso fazia com que se sentisse ainda pior, por isso, a única solução que encontrava para desligar-se de toda aquela dor era reter-se nos seus momentos felizes. 
    Mas, mesmo não querendo, o seu pensamento começou a seguir caminhos que ele não desejava e não conseguia mais pará-lo. Imagens de todo o último ano assolavam a sua memória, enquanto uma última lágrima deslizava da sua face jovem antes de, por fim, render-se a confrontar todas as memórias do seu último ano. 
     

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